Análise crítica do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis (Leitura coletiva do cap. CXLVII até o CLX)
Depois de um longo tempo protelando devido aos afazeres acadêmicos, finalmente a última resenha da leitura coletiva do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas — acredito que isto já havia caído no esquecimento público — será publicada aqui.
Nesse texto, o grupo Confraria das Traças apresentará, não mais um resumo dos capítulos, pois, acreditamos que, como se trata da reta final do livro, não vale a pena resenhar os últimos acontecimentos e acabar estragando a experiência dos leitores. Aqui será uma apenas uma simples resenha expondo impressões sobre a qualidade literária do escritor e uma análise crítica de um capítulo específico.
Experiência de ler "Memórias Póstumas de Brás Cubas" — Maria Eduarda
Ler Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, foi uma experiência ótima, porque o narrador, Brás Cubas, conta sua história livre das amarras sociais, assim relatando suas memórias sem filtro, se revelando egoísta e, em simultâneo, consciente de suas falhas.
A narrativa traz capítulos curtos e um narrador que dialoga diretamente, quase como se brincasse com o público. As reflexões filosóficas sobre a vida, a morte e a condição humana, são envolvidas por um humor ácido e pela crítica à sociedade da época, nos fazem refletir sobre o quanto os dilemas do passado ainda são atuais.
Ao fim da leitura, tive a sensação de ter percorrido um labirinto de pensamentos e emoções, questionando a própria vida por meio dos olhos de um morto.
sobre a fome e a morte — Janilson Fialho
Destaco aqui o capítulo CXLVII (o pedido secreto) como fonte de análise filosófica. Nesta passagem os personagens, Brás Cubas e Quincas Borba, estão em uma sala conversando; além disso, Brás está lendo uma carta de Virgília, enquanto que Quincas pega um livro e, virando-se para Cubas, aponta uma citação de Pascal e diz:
"Vais compreender que eu só te disse a verdade. Pascal é um dos meus avós espirituais; e, embora minha filosofia valha mais que a dele, não posso negar que era um grande homem. Ora, o que ele diz nesta página? — E, com chapéu na cabeça e bengala sobraçada, apontava o lugar com o dedo. — O que ele diz? Diz que o homem tem "uma grande vantagem sobre o resto do universo: sabe que morre, ao passo que o universo o ignora absolutamente." Vê? Logo, o homem que disputa um osso com um cão tem sobre este a grande vantagem de saber que tem fome; e é isso que torna grandiosa a luta, como eu dizia. "Sabe que morre" é uma expressão profunda; creio, no entanto, que minha expressão é mais profunda: sabe que tem fome. Pois o fato da morte limita, por assim dizer, o entendimento humano; a consciência da extinção dura um breve instante e acaba para nunca mais, ao passo que a fome tem a vantagem de voltar, prolongando o estado consciente. Parece-me (se não há aqui alguma imodéstia) que a fórmula de Pascal é inferior à minha, sem deixar de ser um grande pensamento, e Pascal, um grande homem."
O personagem, ao comparar sua sabedoria ("saber que tem fome") com a de Pascal ("o homem tem a vantagem de saber que morre"), destaca a importância de reconhecer a fome como uma necessidade fundamental, em contraste com a consciência da morte.
Ele, ironicamente, sugere que a verdadeira sabedoria reside não apenas na contemplação da mortalidade, mas na consciência das necessidades cotidianas. Aliás, como ele diz: "a consciência da extinção dura um breve instante e acaba para nunca mais, ao passo que a fome tem a vantagem de voltar, prolongando o estado consciente".
É certo que vez ou outra, o pensamento sobre a morte surge, mas a fome é uma necessidade constante e involuntária, pois, todos os dias temos que lidar com a presença dela. Portanto, a mente trabalha mais para solucionar esse problema imediato do que com um problema que, embora pareça algo de plena certeza em nossa existência, não está em um contato constante com o indivíduo.
Quincas Borba critica Pascal; já eu — carregado com essa ideia do personagem Machado — criticarei o filósofo alemão Heidegger, pois, ele é outro que tem um conceito-chave sobre finitude.
O "ser-para-morte" (em alemão: "Sein-zum-Tode") é um conceito central na filosofia existencial de Martin Heidegger, apresentado em sua obra principal "Ser e Tempo" (1927). Ele designa a condição humana fundamental de estar orientado para a morte, ou seja, a finitude e a limitação existencial. Além disso, essa ideia de "ser-para-morte" sugere que a consciência da mortalidade é fundamental para uma existência autêntica.
Entretanto, Machado diz: "O homem que disputa o osso a um cão tem sobre este a grande vantagem de saber que tem fome." Isso destaca que a consciência da necessidade imediata (fome) é mais essencial para a existência humana do que a consciência da mortalidade.
Heidegger nos assombra com sua ideia existencialista de ser-para-morte, pois ele aplica a ela os conceitos de finitude e angústia, ou seja, quanto mais entendemos nossa condição finita, mais sentimos angústia, pois, estamos caminhando para o fim.
O filósofo alemão não se preocupa com as especulações sobre o que vem depois da morte, pois, ele apenas enfatiza a importância de viver assumindo a responsabilidade pela própria existência. Mas o filho bastardo da filosofia heideggeriana, o existencialismo sartriano, parece que se importa sim. Afinal, a importante concepção do existencialismo ateu em “O existencialismo é um humanismo”, de Sartre, é que a morte é apresentada como fim, sem as perceptivas de pós-morte do cristianismo.
Todavia, tal pensamento sobre a finitude não passa de uma certeza especulativa, ou seja, é um artigo de fé, portanto, ela pode ser um mero equívoco, pois — sendo bem Kantiano agora — não temos a coisa em si para constatar. Portanto, ele diz que depois da morte só tem nada, mas baseado em quê?
A morte, frequentemente associada à dor e ao medo, pode ser reinterpretada como uma transição para algo além da existência terrena. Essa perspectiva metafísica, enraizada em esperança e fé, oferece conforto e significado diante da finitude.
Agora, contrastando com a morte, temos a fome, e é ela sim, simboliza a miséria e a desolação. A morte se torna um evento único e definitivo, mas a fome, por mais que seja saciada, sempre retorna — a morte não. Diga-me, portanto, filósofos existencialistas, qual problema parece ser importante — e tenebroso — ao pensamento? A perseguição da morte é insensível, mas o toque da fome afeta diretamente os teus sentidos. Dificilmente o pensamento sobre morte esgota o teu vigor, mas a fome abala tua estrutura física em poucos segundos.
Contudo, pudemos perceber que a verdadeira grandeza não reside na consciência da morte, mas na capacidade de enfrentar as pequenas lutas cotidianas. A fome, esse motor da existência, é o verdadeiro teste da nossa humanidade. A partir de agora, eu, um humilde filósofo, prefiro a sabedoria da fome à sabedoria da morte.
Conclusão
Por fim, "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, é uma verdadeira obra-prima da literatura brasileira. Não importa a época, ela continua fascinando leitores com sua ironia, sarcasmo e profunda crítica social. Ao narrar sua vida após a morte, Brás Cubas nos oferece uma visão cáustica da sociedade brasileira do século XIX, desmascarando hipocrisias e convenções.
Apesar da demora de concluir a leitura, a experiência foi bastante proveitosa, porque aprendemos muitos com Machado. Recomendamos muito a leitura desse clássico; recomendamos porque nosso país carece de literatura.
Autores:
Janilson Ferreira Fialho Filho
Maria Eduarda Bento do Nascimento Silva
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