Livro I
§1 – Sobre o Problema da Filosofia em sua Radicalidade
Sabemos que a filosofia se fundamenta na dúvida, e isso é o que há de mais certo quando vamos defini-la. Além de seu fundamento, a filosofia também possui como uma de suas metas essenciais — e a história da filosofia está aí para nos provar isso — a superação da angústia proporcionada pela finitude da vida. No entanto, não é tão fácil para filosofia resolver essa chaga aberta na consciência humana, porque seu fundamento — a dúvida — é também sua ruína.
O problema da filosofia é humano, ou melhor, é uma contradição demasiadamente humana. Seu fundamento — a dúvida — parece ser uma prisão que não permite o ser humano poder sair da cela da angústia, portanto, a filosofia em sua radicalidade, aparentemente, não conduz o prisioneiro para fora da cela escura da angústia. Mas o indivíduo pode pensar em procurar outros meios para sair dessa situação de penúria, mas aqui chego no problema demasiadamente humano da filosofia: sua vaidade. Vejamos, portanto, que a filosofia quer livrar o ser humano da angústia, porém, sua radicalidade cética — a dúvida — não faz o ser humano prosseguir para fora da cela escura, pois, ele duvida de como fará isso; mas se a religião ou a arte, ou qualquer outro meio, oferece ajuda ao pobre infeliz, a filosofia sente ciúmes e começa atacá-los.
Contudo, eis a vaidade dos filósofos: eles querem resolver esse problema primordial da vida, isto é, eles querem conquistar a resposta que supera a angústia, mas não conseguem chegar a uma resposta máxima porque sua “vontade de duvidar” sempre os arrastam de volta para o colo da cruel dúvida. Os filósofos, estes seres angustiados pela dúvida, vaidosos e insatisfeitos com aqueles que proporcionam soluções, se incomodam quando a religião, por exemplo, consegue fazer isso facilmente.
Ora, devemos avaliar o seguinte: a superação da angústia deveria ser uma busca comum, e todos os caminhos sinceros ao bem viver — os caminhos que livram o ser humano da angústia — deveriam ser louvados, mas a vaidade dos filósofos fazem com que eles se incomodem quando outro sabe fazer isso com maestria. Daí surge o ataque aos sistemas metafísicos e éticos, um ataque que arrasta os indivíduos outra vez ao puro nada. No final das contas, a filosofia em sua raiz — a eterna dúvida — é a “Imperatrix Nihil”. Portanto, se o sujeito crê na vida eterna e sente-se bem com isso, ou seja, já não tem os males da angústia assombrando o seu coração, então mais tola é a vaidade da filosofia miserável e pessimista que incomoda essa autarquia.
Desferir golpes a ética das crenças é, por vezes — e muitas são as vezes —, bastante justificável e até mesmo o correto a se fazer para eliminar as contradições dela, entretanto, quando a crítica passa a ser um ataque sórdido a essência da crença em si do indivíduo — e não apenas ao sistema dogmático religioso —, não vejo outra coisa a não ser uma ação em nome do niilismo, ou melhor, é uma ação contra a própria vida.
A filosofia não se torna um elixir contra a angústia quando ela, propositadamente, assume para si a radicalidade de sua essência como uma prisão com grades no formato de interrogações, isto é, quando a dúvida não consegue mais sair da própria dúvida. A única maneira que ela tem de se exteriorizar de si mesma — na verdade, de livrar-se um pouco de si mesma — é quando ela leva sua própria baba peçonhenta aos outros saberes que podem resolver o mal da angústia. Ela o faz em nome de certos valores como verdade, esclarecimento ou razão, pelo contrário, ela — a Imperatrix Nihil — não faz tal coisa pensando em conduzi-la a “verdade” ou a “razão”, mas por sentir uma satisfação em provocar náuseas nos seres humanos, de querer conduzi-lo ao seu reino: o nada.
Sobre esses infelizes angustiados que transmitem suas mazelas aos outros como doenças contagiosas que tornam a alma atormentada, lembro de meus versos que dizem o seguinte: “Ah, esses filósofos e suas filosofias.../As noites me põe a sonhar sonhos lúgubres/Para no despertar versar versos fúnebres.”. Isso me faz pensar em como a filosofia que, por muito tempo, lutou contra o rebaixamento de se tornar uma mera ideologia, usando a arma da dúvida, acabou se tornando uma ideologia por causa da própria dúvida.
Contudo, creio que não há problema nenhum em repousar o espírito cansado em uma certeza absoluta. Me satisfaço com minha crença em Deus, por exemplo, e tenho certeza sobre o que eu acredito; deste modo, isso me afasta da angústia. A filosofia não deve assumir para si o erro dos existencialistas de querer conviver com a angústia, ou seja, de pensar que a angústia é uma condição de ser do ser humano. Conviver com tal malefício não retira o sabor amargo da náusea de nossa alma. Queremos um unguento que realmente afaste, na verdade, que elimine essa condição vil e degradante que retira as forças do espírito.
Por Janilson Fialho, XXV. VII. MMXXIV
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