(Leitura coletiva do cap. LXII até o CV)

 

Nossa leitura coletiva dos capítulos LXIII ao CV, do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, no grupo Confraria das Traças, ocorreu entre os dias 9 a 23 de julho. Como sempre, nós obtivemos ótimos resultados sobre a história.

O número de capítulos foi demasiadamente estendido nesta sessão de nossa leitura, porém, apesar do número alto os capítulos são curtinhos, assim não perdemos o prazo da leitura.

Pretendemos aqui trazer um resumo feito por Maria Eduarda e, como sempre, também algumas reflexões sobre certos capítulos da obra.

Resumo – Capítulos LXXIII ao CV

Nos capítulos LXXIII ao CV de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", Brás Cubas e Virgília enfrentam o abalo de seu relacionamento devido a desconfianças externas e à pressão social. Virgília recusa a ideia de fugirem juntos temendo a reação do marido, Lobo Neves. Apesar de Brás ter um amor intenso por ela, suas ações não são suficientemente audaciosas. Após um jantar incômodo, onde se sente afastado dela, Brás se preocupa com o estado emocional de Virgília, que está em conflito por causa de sua ligação com ele e de seu papel como mãe.

Lobo Neves acaba se nomeando presidente de uma província, o que ameaça a relação entre Brás e Virgília. Depois de um convite para ser secretário da província, Brás se vê em um dilema entre sua carreira e seu amor. Porém, Virgília decide não ir para a província, temendo o decreto número 13 associado a superstição e a um novo ciclo de desentendimentos com Lobo Neves. Em meio a essa turbulência, eles intensificam sua paixão.

A história se complica ainda mais com a perda do bebê de Virgília, resultando em um desvio emocional significativo e na intensificação das tensões entre os personagens. Lobo Neves, diante de uma carta anônima que denuncia o relacionamento dos dois, questiona a fidelidade de sua esposa, enquanto Brás tenta encontrar um meio de se encontrar com Virgília secretamente. O desfecho dos capítulos apresenta um jogo tenso de amor e insegurança, culminando em um novo encontro onde as emoções e a trama se tornam ainda mais intrincadas, com Brás se sentindo preso entre seu desejo e a realidade social que o cerca.

Dilema moral

Se há uma coisa de que podemos gostar bastante nas histórias de Machado de Assis é quando ele apresenta um dilema moral.

Veja essa situação que acontece com Brás Cubas no capítulo LI (É minha!), ao achar meia dobra de ouro no chão: “Nessa noite não pensei mais na moeda; mas no dia seguinte, recordando o caso, senti uns repelões da consciência, e uma voz que me perguntava porque diabo seria minha uma moeda que eu não herdara nem ganhara, mas somente achara na rua. Evidentemente não era minha; era de outro, daquele que a perdera, rico ou pobre, e talvez fosse pobre, algum operário que não teria com que dar de comer à mulher e aos filhos; mas se fosse rico, ao meu dever ficava o mesmo. Cumpria restituir a moeda [...].”.

Nosso querido personagem Brás Cubas nessa passagem acaba de narrar a ocasião em que encontra meia dobra de ouro, ou melhor, uma moeda no chão. Após refletir muito sobre o que fazer com ela, Cubas decide que o correto é entregá-la às autoridades para que eles possam encontrar o verdadeiro dono. Ao fazer tal coisa ele sente algo diferente dentro de si; vejam o que ele nos diz: “Minha consciência valsara tanto na véspera, que chegou a ficar sufocada, sem respiração; mas a restituição da meia dobra foi uma janela que se abriu para o outro lado da moral; entrou uma onda de ar puro, e a pobre dama respirou à larga. Ventilai as consciências!”.

Contudo, vemos que esse ato de nobreza arejou sua consciência. No entanto, a situação que vem logo a seguir nos faz duvidar de sua índole.

Restituir meia dobra (a moeda) pareceu fácil a Brás Cubas, mas quando se trata de um embrulho contendo cinco contos de réis (que era uma fortuna para aquela época), como fica a moral nesse momento? Veja o que acontece com Brás no capítulo LII (O embrulho misterioso), onde ele tenta justificar e enganar a consciência sobre tal achado:

“[...] Não se perdem cinco contos, como se perde um lenço de tabaco. Cinco contos levam-se com trinta mil sentidos, apalpam-se a miúdo, não se lhes tiram os olhos de cima, nem as mãos, nem o pensamento, e para se perderem assim totalmente, numa praia, é necessário que… Crime é que não podia ser o achado; nem crime, nem desonra, nem nada que embaciasse o caráter de um homem.”.

Nessa passagem vemos uma mudança de comportamento em Brás, onde a diferença  no valor foi um fator significativo para a mudança de sua moralidade; além do mais, podemos pensar que o interesse é o que determina a índole do sujeito, e a consciência foi acalmada uma mera justificativa.

Contudo, ao lermos essa passagem, logo podemos nos imaginar estando na mesma situação de Brás Cubas. O que faríamos se pudéssemos achar algo assim? Imagine,  afinal, você estava outrora festejando sua boa conduta e agora aparece isso, então o que tu farias nessa situação?

O pudor é a forma mais inteligente de perversão

Trataremos agora de uma questão bastante contraditória, na verdade ela é um paradoxo: o pudor é a forma mais inteligente de perversão!

O discurso moralista não se dá conta de que a proibição é o motor das fantasias, porque elas nascem justamente do impedimento da vontade. Podemos ver, por exemplo, que em épocas de repressão social as fantasias eróticas afloram com mais força — cabe dizer que é um tanto interessante perceber essa proximidade entre o erotismo e a violência repressiva. Machado de Assis traz essa discussão — não exatamente da forma que acabamos de tratar aqui — em sua obra, isso ocorre mais precisamente no capítulo XCVIII (Suprimido). Vejamos a passagem:

“[...] eu fiz uma descoberta sutil, a saber, que a natureza previu vestidura humana, condição necessária ao desenvolvimento da nossa espécie. A nudez habitual, dada a multiplicação das obras e dos cuidados do indivíduo, tenderia a embotar os sentidos e a retardar os sexos, ao passo que o vestuário, negaceando a natureza, aguça e atrai as vontades, ativa-as, reprodu-las, e conseguintemente faz andar a civilização.”.

Neste capítulo, Brás Cubas está em um teatro assistindo um espetáculo com as pessoas de seu convívio, e logo após um tempo estendido ao enfado ele começa a imaginar a amante e os demais convidados sem roupas, e como vimos na passagem citada, ele reflete justamente que o desejo é alimentado pelo pudor, e a nudez habitual esgota o desejo.

Por conseguinte, sua reflexão chega nesse ponto: “tudo o que é banalizado perde sua graça.”. A beleza sensual, para Brás Cubas, está justamente na fantasia que o pudor proporciona, porque isso ativa a vontade de descobrir o que há por trás. Mas, se fosse ao contrário, se todos vivessem na nudez, a beleza seria despercebida e, talvez, “perderia a graça”.

Cabe, por fim, realizar a seguinte crítica: a moral sempre julgou que uma roupa bem comportada é sinônimo de castidade ou de respeito, assim impôs na sociedade tal ideal, porém, uma roupa bem comportada não garante a passividade do desejo, pelo contrário, ele pode ser o impulso necessário para fazer nascer as fantasias pervertidas do ser humano. Contudo, o que não faz perder a graça é o “proibido” e o “escondido”, pois, o que move o sujeito é o “querer da vontade” ao que não se tem.

Conclusão

Assim chegamos ao fim de mais uma resenha. Trouxemos aqui a resenha e, o mais importante, duas reflexões cujo tema é a “vontade humana”.

Podemos perceber claramente que questões e situações sobre a vontade aparecem com bastante frequência na obra de Machado de Assis, e não é por acaso, visto que a simpatia pelo tema se dá porque Machado era um leitor dedicado da obra do filósofo pessimista Arthur Schopenhauer.

Mas o que Schopenhauer nos diz sobre a vontade? De acordo com Schopenhauer a vontade é um princípio fundamental da natureza, uma força cega, incontrolável que move o mundo. Uma força que se manifesta em toda natureza, mas adquire características específicas nos seres humanos, cuja existência está subjugada à pressão universal da vontade.

Contudo, é com essa noção filosófica que terminamos o nosso texto.

Autores:

Janilson Ferreira Fialho Filho (org.)

Maria Eduarda

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